Estudo - Estado intermediário da alma ou escatologia individual

O assunto da vida após a morte levanta muitas questões e interesse. O que acontece quando morremos? Dormimos consciente ou inconsciente? Os cristãos vão direto para o céu? Os incrédulos vão direto para o inferno? Escatologia individual é o termo que distingue da escatologia cósmica ou geral, que envolverá toda a criação por ocasião da vinda definitiva de Cristo para o juízo final.

Primeiramente, veremos o que é morte. Morte é a separação da alma do corpo e atinge a todos. Atinge crentes e incrédulos, com exceção de alguns: (1 Co 15.51: “Eis que vou lhes revelar um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados”). Na segunda vinda de Cristo, os que estiverem vivos não morrerão, mas terão os seus corpos transformados. (1 Ts 4.15: “nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, de modo nenhum precederemos os que já morreram”).  

No entanto, Deus não havia criado homem e mulher para morrer. Deus não planejou isso. Mas a morte é consequência da queda do ser humano em pecado (Gn 3.1-24). Por isso atinge toda a humanidade. Todos são pecadores (Rm 6.23: “Porque o salário do pecado é a morte”). Assim, a Escritura Sagrada nos ensina que a morte é a consequência do pecado. Lutero diz que “Durante a vida, deveríamos ocupar-nos com a ideia da morte e confrontar-nos com ela enquanto ainda está distante e não nos atormenta. Mas ao morrer, quando a morte, por si mesma, já é forte demais, ocupar-se com ela é perigoso e de nada serve.” (M. Lutero, Um Sermão sobre a preparação para a morte, 1519). Ou seja, pensarmos que podemos morrer a qualquer momento seja nós mesmos ou nossos familiares e amigos. E com Cristo, confiarmos que ela não nos atormenta, mas com esperança, iremos para a vida eterna. Vejamos o que dizem alguns teólogos sobre a morte e estado intermediário da alma.

1) A respeito da morte para Mueller, um teólogo luterano do início do século XX, está claramente evidenciado na Escritura que a morte temporal “não é a aniquilação total do ser humano, mas a perda da vida natural, que ocorre pela separação da alma e do corpo” (p.569 – Dogmática cristã, 2004). A morte não aniquila nem o corpo nem a alma; eles são separados até a ressurreição final, quando novamente corpo e alma serão unidos. Segundo Mueller, após a morte dos descrentes, suas almas são “espíritos em prisão” (1 Pe 3.19 – Cristo pregou aos espíritos em prisão – vai ao encontro do Credo Apostólico – “Desceu ao inferno”) e “padecem tormentos brutais e infinitos (Lc 16.23-31 – narrativa do rico e o mendigo – sofrimento do rico no inferno)”. Enquanto que no caso dos cristãos mortos, suas almas “estão com Cristo no paraíso” (Fp 1.23: “Estou cercado pelos dois lados, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor”; Lc 23.43: “Jesus lhe respondeu: - Em verdade lhe digo que hoje estará comigo no paraíso”; e “são supremamente felizes” (Ap 14.13) (p.572). Mueller ainda critica o ensino da doutrina do purgatório (segundo a doutrina católica, imediatamente após a morte, as almas “obtém a santidade necessária para entrar na alegria do céu”). O autor argumenta que tal ensinamento não apenas contraria o que ensina a Escritura, mas tem como pior consequência “colidir com a [doutrina] da justificação só pela fé” (p.574). Afinal, se fosse preciso ainda purificar-se após a morte, isso significaria que a obra de Cristo para redimir a humanidade com o perdão dos pecados teria sido incompleta.

2) Wolfhart Pannenberg foi um dos mais influentes teólogos protestantes da segunda metade do século XX. Segundo Pannenberg, por ocasião da morte do indivíduo já acontece sua ressurreição (p.577-579). Para o autor, esta ideia não reflete a totalidade do testemunho bíblico sobre a ressurreição dos mortos. Além disso, para ele tal ideia por demais individualiza o futuro da pessoa, e assim, se perde a conexão bíblica entre o indivíduo e o cumprimento da salvação para todos os crentes por ocasião da ressurreição geral e do Juízo Final (p.578).

3) Renold Blank é um teólogo católico romano, doutor em Teologia e Filosofia, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Blank questiona a maneira tradicional de se entender a morte como separação entre corpo e alma, e defende a teoria de que a morte e a ressurreição do indivíduo acontecem simultaneamente para a pessoa, na hora em que ela morre. Pensamento semelhante à Pannenberg. Para Blank, a alma do ser humano nunca se separa do corpo. Conforme Blank, no momento da morte a pessoa entra na eternidade, que se caracteriza por ser uma dimensão atemporal. O tempo já não mais seria uma dimensão para a pessoa que morreu, e para ela aquele momento seria o fim dos tempos. Assim, conforme o autor, aquilo que é esperado como o grande evento da ressurreição e julgamento de toda a humanidade já acontece para a pessoa individual no momento de sua morte (p.110). Para Blank, o “purgatório” é visto como graça de Deus. Ao homem, que não consegue atingir o potencial planejado por Deus, continua a graça de Deus. Tal posicionamento de Blank, mesmo sendo contrário ao evangelho, seria o “último ato de evolução humana”, pois Deus mais uma vez, e última, está oferecendo a oportunidade de conversão (p.217). A proposta de Blank é um modelo muito elaborado, que enfatiza alguns aspectos do ensino bíblico, como a necessidade do perdão dos pecados em Cristo, mas que traz consigo ensinamentos que contradizem o que as Escrituras testificam. Por exemplo, a possibilidade de conversão após esta vida e a negação prática da condenação eterna. Pode-se perceber a contradição entre sua abordagem e a de Mueller. No que se refere à salvação do pecador, Mueller, seguindo o ensino bíblico, coloca como assunto central da teologia ligado à obra redentora de Cristo e recebida pela fé por parte do pecador através da mensagem do evangelho.

Alguns teólogos têm afirmado que o período intermediário seja atemporal (que não há tempo – salto no tempo. Eu morro, eu ressuscito). Para os mortos, sob esta explicação, não haveria diferença de tempo entre a sua morte e o juízo. Os que advogam tal ideia utilizam-se do conceito da atemporalidade de Deus. A evidência dada pela Escritura aponta para um entendimento do estado entre a morte e a ressurreição como um tempo no qual o crente está na presença bendita de Deus, ainda que esperando a ressurreição, e no qual o descrente está em tormento, ainda que também tendo pela frente a ressurreição. O livro de Apocalipse apresenta a cena dos cristãos mártires que já morreram e que perguntam “até quando?” (Ap 6.10). Na história do rico e Lázaro (Lc 16.19-31), chama a atenção que o homem rico, na condenação do inferno, afirma a preocupação pelos seus irmãos, que ainda estão vivos (Lc 16.27,28). Textos como estes apontam para um tempo de espera, um período intermediário entre a morte do indivíduo e a futura e definitiva ressurreição de todos os mortos para o Juízo Final. O aspecto de “ainda não” mostra que aqueles que morreram estão, num certo sentido, em um “tempo direcionado” – o tempo que olha para o fim do mundo e a ressurreição geral. No entanto, os mortos não estão num “purgatório”. A doutrina do purgatório em termos práticos tira da obra de Cristo sua plena validade de perdão de todos os pecados e redenção completa do ser humano. É importante, ainda, lembrar que não se deve identificar o estar com Cristo no estado intermediário com a completa consumação da salvação. Esta acontecerá na ressurreição dos corpos, na consumação do mundo e nos novos céus e nova terra.

Pergunta: Se o julgamento será na volta de Jesus, o que acontece aos que já morreram neste tempo antes do Juízo Final? Na hora da morte, o destino eterno da pessoa já estará decidido. As almas dos que morrem na fé em Cristo estão com Cristo, no céu, em suprema felicidade. Os que morreram sem crer estão no inferno desde já. Por isso hoje a porta da graça está aberta. Hoje é o dia de se voltar a Deus, pedir perdão dos pecados, e aguardar com confiança o dia de sua vinda.

Outra pergunta: E se eu estiver dirigindo, fizer uma ultrapassagem, sofrer um acidente e porventura morrer, e não tive tempo de pedir perdão. Serei salvo? Para onde irei? Se é batizado, confia em Cristo como teu Salvador, com certeza será salvo. Aqui damos enfoque à obra de Cristo, e não no meu tempo de arrepender-se de maneira inesperada. Se está com Cristo, estará com ele no céu, mas ainda não na completa consumação e criação do novo céu e nova terra.

Em ambos os casos, na terra, os corpos ressuscitarão e se unirão novamente às suas almas para o grande julgamento (Lc 16.23; 23.43; 1 Pe 3.18-20; At 7.59,60; Fp 1.23).

Independentemente da posição, precisamos afirmar algumas coisas:

·        Já na morte, o Cristão está com Cristo;

·        O descrente, já na morte, tem tormento;

·        Não há aniquilação da pessoa;

·        Inexistência de lugar de purificação (“purgatório”)

·        Ressurreição final – a real explicativa bíblica. (O que caracteriza a fé cristã é a ressurreição)

Lutero escreve em uma de suas cartas: “portanto, a minha opinião é que essas coisas são incertas. É mais provável, no entanto, que com poucas exceções, todos aqueles que morreram estão dormindo sem possuir nenhuma capacidade de sentir”. No entanto, se na morte o cristão sobe direto para o céu, ou dorme inconsciente aguardando o dia da ressurreição, o que importa é que ele está com Cristo. No entanto, sendo ele a ressurreição e a vida, Cristo é a esperança de todos os cristãos e a certeza de que mesmo a morte não “poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38,39).

Oração: Querido Deus, amado Pai celestial. São tantas bênçãos que o Senhor concede-nos em nossa vida, mas te agradecemos por mais este momento de estudo, em que podemos meditar e estudar a tua Santa Palavra. Obrigado por aprendermos um pouco mais sobre o assunto da morte, e estado intermediário da alma, que são assuntos complexos e que nos trazem muitas dúvidas, questionamentos e perguntas. Todas as coisas não nos foram reveladas, mas o que precisamos saber, temos acesso, na Bíblia Sagrada. O mais importante que cada um de nós precisamos saber, é que somos todos pecadores, e necessitamos do teu amor, do teu perdão, da tua salvação. Por enviares teu filho Jesus Cristo ao mundo, nos redimistes de todos os nossos pecados. Que possamos confiar nisso hoje e sempre, e que com o teu Espírito Santo nos ajude a mantermos essa fé em ti. Se após nossa morte estivermos conscientes ou inconscientes, aguardando o dia da tua vinda, o mais importante é que tu estás conosco, e nunca nos abandonará. Amém!

 

Referências

- LINDEN, Gerson L. Anotações aula Sistemática IV. ULBRA, 2019.

- __________ Slides Escatologia Individual. O ensino sobre a morte e o estado intermediário. ULBRA, 2019.

- __________ Teologia sistemática IV – tópicos em teologia escatológica. / Gerson Luis Linden. – Canoas: Ed. ULBRA, p.77-87, 2013.

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